Bele e os camelos



Debele Ksimba gosta de camelos. Não gosta de moscas. Prefere andar descalça ao invés de usar as sandálias de couro de cabra, improvisadas por sua mãe. Gosta de sentir a terra seca do deserto atravessar lhe os pés por entre os dedos. Alegra-se ao ser chamada de Bele por Nimbaba, seu irmãozinho. Nunca vira o mar, não sabe dizer nem com o que se parece. Anda todos os dias três quilômetros, desde a singela cabana onde mora até a base da montanha, para pegar água numa pequena poça que se forma durante o inverno. Não se importa em dividir a pouca água com os animais que aparecem. Uma vez, estava pronta para mergulhar o vasilhame na poça quando vira uma nuvem no imenso azul-anil refletido no espelho d'água. Parou por um estante, atônita. Eram tão raras por aquelas bandas que uma aparição causava-lhe êxtase. Adora as flores amarelas dos cactos que florescem à base da montanha. Não está acostumada a contemplar muitas cores além do azul do céu, o bege do deserto e dos camelos, o branco das cabras e das nuvens, o verde opaco dos cactos e do capim seco, e o negro de sua pele. Nunca vira um pessoa gorda na vida. Aliás, para ela, os ossos sobressalentes de sua constela, e o corpo esguio e fragilizado de todos que conhece era o único jeito de ser. Perde tempo vendo as caravanas de camelos passarem no topo da colina. Gosta do jeito desengonçado que eles andam. De vez em quando se pergunta se aquelas corcundas não doem. Sempre que se machuca, ou a moringa cheia pesa nas costas, voltando para casa, pensa que se os camelos não reclamam ela também não reclamaria. Se orgulha do modo como os camelos cuidam um do outro. Uma vez ouviu seu tio dizer que a hora mais escura do dia é a que vem antes do sol nascer. Bele repete essa frase para si mesma todos os dias.



(Deyvid Peres)