A Anciã e o Mar


Entre a Vila de Pescadores do Mariano e a Aldeia dos Jatobás, vivia uma velha anciã. Uma senhora baixa, de pele moreno-avermelhada, nariz largo, e cabelos crespos e grisalhos. Ninguém sabia dizer o porquê, mas ela residia sozinha em uma cabana à beira da praia das Garças. Nunca a viam pela vila, ou pela feira do porto. Na verdade, existia um murmúrio de mistério sobre a sua existência que perpassava gerações. Alguns diziam que ela era uma bruxa, outros que ela nunca dormia, ou ainda que ela era um fantasma que assombrava a praia. E não era para menos, a senil anciã espantava todos os turistas que resolvessem acampar na areia. Furava barracas, ameaçava-os com suas tochas, quebrava violões, jogava seus próprios lixos espalhados pela praia dentro de seus carros. Brigava com os pescadores que quisessem furtar os ovos das tartarugas à época da desova. Certa vez, fez dois deles devolverem os ovos de cada ninho mexido.

Por sua fama xamânica, muitas vezes era procurada pelas pessoas enfermas por rezas e simpatias. Até mesmo os índios a visitavam em busca de cura e redenção. Dona Filomena, esposa de seu João, o chefe do sindicato dos pescadores, jurava de pé junto durante as reuniões das bordadeiras, que fora a velha bruxa que salvara seu filho Manuel da picada de uma coral uma vez quando ele ainda era um bebê. Ela conta que um dia resolveu tomar um banho com a criança na Cachoeira Véu de Noiva próximo à casa da sua mãe, que ficava algumas poucas horas a pé afastada da vila. Perto da margem do rio, e como ela não sabe, a cobra o picou ainda em seu colo. Não houve tempo para socorrê-lo, não houve calma que a ajudasse a parar de chorar ao ver seu bebê empalidecer. A bondosa anciã ouviu o choro da criança e conseguiu encontrá-los, sugou o veneno da cobra com a boca desdentada e cuspiu. Perdeu uns meros três minutos forrageando o local, colheu um conjunto de folhas, mastigou-as e depositou a massa babada em cima da picada. Dona Filomena sempre conta, com seus olhos verdes marejados, que se não fosse aquilo, não haveria tempo de chegar à vila.  

Contudo era no dia 2 de fevereiro de cada ano que a líder anciã ganhava destaque. Ela colocava seu vestido branco de renda, pegava um toco de vela, colhia algumas rosas brancas do quintal e, esperava. Quando o sol começava a despontar no horizonte, ajoelhava-se. Rezava, e agradecia. Agradecia pela manhã que chegava, pelo mar majestoso e generoso em suas pescas. Agradecia pelo amor, não somente por aquele que vem de fora, mas principalmente pelo amor que morava dentro de si e nunca se dissipava. Vela acesa, flores oferecidas às ondas. Não demorava muito e eles iam chegando, pouco a pouco, trazendo flores, velas, pedidos, agradecimentos, sorrisos... Cada pescador se juntava a ela naquela praia que durante o ano todo era só dela, mas que naquele dia específico todos eram bem-vindos. Barcos de madeira flutuavam à luz do crepúsculo, tambores e danças se faziam às margens das ondas. Crianças brincavam e corriam pelo lugar pouco explorado. Inclusive os Jatobás despontavam às margens da mata para assistirem àquele povo finalmente dançar, e festejar, junto à anciã de todos eles, em homenagem à Rainha do Mar. Odoyá!


(Deyvid Peres)