Efeito de similaridade-atração


Pensamentos intermináveis iam e vinham, sem que Matheus conseguisse controlá-los. A chuva lá fora parecia ressonar distante, o frio da manhã de outono passara e uma cede incontrolável o tomava. Foi quando percebeu que um pouco da cinza do baseado havia caído sobre o dorso de sua mão esquerda, espanou-a com a outra mão. Um buraco tinha se formado em sua pele sem que ele sentisse. Voltou às profundezas de seus pensamentos logo que a distração passou. Pensava na sua vida cotidiana, em seus objetivos, em sua saúde. Pink Floyd sempre o ajudava a relaxar, e normalmente ele se despedia fácil dessas preocupações. Porém, nesta noite específica não parava de pensar nos amores e desamores da vida. Memórias de casos passados se entrelaçavam e se misturavam deixando-o confuso. Mas como bom cientista, depois de tanto matutar, acabou por reconhecer padrões em seus envolvimentos. Era assustadora tal análise. Resolveu, desta forma, pensar nos relacionamentos que conhecia de amigos e familiares e, percebeu o mesmíssimo arquétipo. Cada relacionamento abrigava em si um pouco de qualquer coisa que, pra ele, não correspondia ao amor que queria para si. Uma imagem projetada pelas pessoas e pela sociedade para cumprir um ritual de interação. Uma imagem pensada, uma imagem narcisista, uma repetição do mais do mesmo. Notar que era o ponto fora da curva num padrão de relacionamentos vazios e superficiais era libertador, e ao mesmo tempo aterrorizante. Pontos dentro da curva acomodam-se por estarem próximos, por estarem na mesma trajetória, por serem aceitos e por assemelharem-se. Pontos fora da curva, até que o padrão seja repensado, continuarão sendo tachados de errantes. Levantou-se para pegar um copo d’água, abriu a torneira e observou a água cair dentro do recipiente, nítida, sem vicissitudes e sem eufemismos. As pessoas, em sua maioria, procuram pelo semelhante, ou mesmo pelo igual, num efeito de similaridade-atração. Quanto maior a similaridade, maior a atração. Constatação não-científica básica. Não científica porque estava tudo dentro de sua própria cabeça, entretanto era impossível ignorar as evidências que levavam ao padrão. Magros querem magros, roqueiros querem roqueiros, vegetarianos querem vegetarianos, barbudos querem barbudos, praieiros querem os da praia, ricos os ricos, esquerdistas e direitistas não se misturam... As evidências eram muitas. Vez ou outra, dois pontos se encontravam no mesmo quadrante do gráfico, tinham lá suas semelhanças e se relacionavam, mas muitas vezes apenas um deles se adequava à curva. E o que normalmente fazem quando isso acontece? Mudam-se as análises para que o ponto fora da curva se aproxime dela, e então, se isso não é possível, descartam-no. Fim de relacionamento. Matheus já havia passado por isso diversas vezes. Prezava-se mais pelo confortável, pelo ego. Mais fácil ter quem compartilha das mesmas opiniões, os mesmos hábitos alimentares, que mora na mesma região e que tem a mesma situação econômica. Amam os iguais como quem ama a própria imagem, física ou ideológica. Se existe amor nisso? Claro. Amor livre? Claro que não. Liberdade no amor requer ser o que a gente quiser ser, e mudar pra uma outra coisa, e gostar de outras coisas, sem que para isso percamos a admiração do companheiro, ou mesmo o seu amor. A vida é mudança. A fumaça já se dissipava pelo quarto quando Matheus se lembrou de uma frase ouvida há tempos: “Ou você muda, ou terei que romper com você”. Essa adoração pela própria imagem ou pela própria visão de vida cega as pessoas. A culpa passa a ser sempre do outro, é mais fácil. É mais fácil também ter por perto quem não conteste isso. E menos humano também. Lembrou-se de outra frase antiga que o atingiu em cheio certa vez: “Estou te deixando porque amo mais a mim do que a você”. Frase nobre, usada em circunstâncias desonestas. Reescreveu a frase e aquietou-se: “Estou te deixando porque amo mais a imagem que faço de mim e da ideia que tenho de mundo, do que a você”.  E Continuou reescrevendo: “Não há volta para nós, porque você continua o mesmo” para “Não há volta para nós porque não vejo mais a imagem de você que criei para amar”. Sentiu-se alforriado. Que barato foda da porra, pensou. Que libertação! Foi só uma erva, irmão. A liberdade já estava dentro de você.


(Deyvid Peres)