Nostalgia


Dona Eulália já havia feito regime, dietas e exercícios, mas nada a ajudou. Por fim, acabou aceitando participar de uma cirurgia de estômago. Não é fácil ser obesa mórbida num mundo magro. Até mesmo a coisa mais corriqueira pode se tornar uma verdadeira missão de guerra. Pegar o ônibus e passar na roleta nem pensar, gordo entra pela porta de trás. E como se não bastasse a humilhação de fazerem uma roleta seletora de magros, também fazem um assento especialmente para quem não o é. E para estes, um banco amarelo bem chamativo, unido um ao outro. É como se dissessem “Hei, olha aqui um rechonchudo nojento”. Nas lojas nada cabe, nada é digno de alguém que não está no padrão. A televisão faz piadas, diverte-se. Nos filmes de comédia romântica não faltam cargos para coadjuvante. Afinal, gordo não namora, não casa, não sonha. Mas nem sempre Dona Eulália soube o que é ser gordo. Eulália, ou simplesmente Lalá, como era chamada, já foi Miss Pernambuco. Já namorou Juiz, jogador de futebol, ator famoso, vereador, tinha quem queria. Na época de glória e juventude Lalá agia como todos, tinha pavor de gente gorda e feia. Uma vez na praia, já morando na capital do país, época que engatou a fazer comerciais de xampu, um rapaz puxou assunto. Talvez quisesse só conversar, mas Lalá só conseguia olhar para aquela papada, para aquela barriga que escorria por cima do calção, e aquelas orelhas que se escondiam atrás das bochechas. Fez uma cara de nojo ao pobre rapaz, enrolou-se na canga e voltou ao hotel. Mas como Dona Eulália, conhecia bem o martírio de ser gorda. Como era ruim ser desprezada, humilhada, publicamente rejeitada. Depois da tal cirurgia teve que lidar com o excesso de pele, com a incongruência da fome e o limite de satisfação do estômago. E o fato de ainda se ver à margem do que um dia foi. Sempre se lembrava da juventude, dos bailes, dos elogios, da pessoa que era. Bem diferente do que é hoje, os anos e o peso a deixaram mais amarga que bala de gengibre. Nem paciência para os netos encontrava. Apesar de por dentro ser uma mulher doce e gentil, por fora só restava ranzinzice. 

(Deyvid Peres)

2 comentários:

  1. Infelizmente é verdade e existe muitas pessoas nessa situação.

    Adorei o seu blog e já estou a seguir :D
    Também curti a sua página de facebook (Daniela DS).

    beijos,
    Daniela

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