Onde a alma mora



O vento acariciava-lhe o rosto enquanto olhava pela janela do táxi. Lá fora o sol estava a pino, brilhante e dourado como só parecia ser ali. Na calçada, pavimentada em pedras brancas e pretas, viu uma criança tomando água de coco enquanto sua mãe tirava a areia de seus pés dando leves batidinhas com a canga. Sentiu-se nostálgica. Lembrou-se de sua mãe e seu pai levando-a a praia. Um casal de jovens namorava esperando para atravessar a rua. Dois meninos vendiam garrafas de água gelada aos carros que paravam. Descalços e consumidos pelo calor, pelo cansaço. Sentiu-se envergonhada, não pelos meninos, mas por estar ali, protegida do sol dentro do carro. Por não ter precisado vender o que seja para aliviar o calor dos outros enquanto o próprio suor corre pela testa. Ao longe via os contornos arredondados das montanhas emoldurando o mar. Majestosas. Apesar de tudo parecer familiar, nada lhe parecia seu. Havia certa estranheza por detrás de tudo que via. Um certo desespero começou lentamente a tomar conta de si. O calor parecia abusivamente maior do que se lembrava. As pessoas pareciam mais sorridentes. Até mesmo estes meninos de sinais, que antes estava acostumada a ignorar, naquele momento causaram-lhe profunda estranheza, achou-os dignos de aflição. Estava mudada. A saudade, as lembranças e ao mesmo tempo tanta coisa que não percebia antes. Não podia ser possível que tudo lhe parecesse tão familiar e tão estranho. Entrou por um túnel. Do outro lado, depois da cegueira momentânea, reparou em uma asa-delta que se preparava para pousar. Um grupo se esticava numa praça, achou-os engraçadinhos. Sentiu fome. Procurou algo para comer. Encontrou uns biscoitos amassados na bolsa. Voltou a olhar lá pra fora. Dessa vez passava por uma rua estreita, de casas simples e prédios baixos. Não poderia ser possível. Reconhecia-a, estava perto. A garganta secou. Já não via a hora, já era tempo. A saudade agora era palpável, era bruta. Viu a padaria onde ia comprar pães para o café quando era mandada. Conseguiu ver, também, a praça onde brincava quando pequena e seu antigo colégio. Virou a esquina. O coração já queria sair do peito. Não teve coragem de olhar mais, teve medo. O carro parou ao fim da rua. Sentiu o festejo das pessoas que a esperavam. Respirou fundo. Uma mulher veio correndo em direção ao carro e abriu a porta. Filha!? Sim, aquilo era seu. Estava em casa.

(Deyvid Peres)

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