8 nós, vento a leste.
Ao norte via-se o litoral, cada vez mais distante, cinza e empoeirado. A estibordo,
olhando pela escotilha, estava Gilda que observava aquela vida que se passava.
O porto visto assim de longe, parecia um lugar tranquilo e pacífico. Muito diferente
da rotina de carga e descarga de ‘esperanças bélicas’, como ouvia dizer no
rádio. À esquerda, via a igreja que
costumava ir todos os domingos, destruída. O campanário estava de pé, mas o
sino fora derretido para a produção de balas. Na escada do templo era possível
ver uma mulher, sabia que era mulher porque estava de vestido, e um brilho que
imaginou ser uma vela. Era triste, mas ao mesmo tempo libertador saber que nunca
mais veria aquela cidade. Seu pai decidira vender o que tinham quando um homem
veio bater-lhes à porta com oportunidades de empregos nas Américas. A ‘grande gripe’ já havia não só levado sua
irmã, como metade do vilarejo. E os que sobreviviam, ou eram convocados à
guerra, ou eram mortos pela fome ou por brigas locais. Estava cada vez mais
difícil sobreviver com o pequeno pedaço de terra que tinha em sua aldeia. Nas
cidades as pessoas se matavam por empregos árduos e muito pouco remunerados. Ao
oeste a imensidão do mar que se perdia e se misturava ao azul do céu e à
neblina do crepúsculo vespertino na linha do horizonte. Havia outros como eles
naquele navio: uma senhora com seu xale rendado, um par recém-casado, um senhor
de boina e seu filho de uns 11 anos, uma menina chamada Sabina que viera se
apresentar quando entraram no porão apertado. Uma multidão adoecida, faminta e
pouco aquecida que chamavam de ‘terceira classe’. E ao sul, quem sabe, uma vida
nova.
(Deyvid Peres)
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