Andressa não era budista, nem precisava ter religião alguma
pra saber que, por vezes, o silêncio é a forma mais eficiente de conhecer os
outros e a si mesma. Acreditava que algumas pessoas eram agraciadas por dons, ou
coisa parecida. O seu era de enxergar as pessoas. Perdeu a conta das vezes que passou
por uma calçada e viu pessoas carentes de amor, de vida, pessoas que pediam
socorro, deitadas em cima de um papelão. Ou mesmo o Arthur, seu colega de
classe, que não falava com ninguém. Passava pelas pessoas como se elas não
existissem, e todos o achavam um chato metido a besta. Todos menos ela,
que via uma tristeza profunda e muita falta de confiança nele mesmo, só. Achava
diferente daquelas pessoas que a viam num lugar e fingiam que não viam, esperando
ela ir falar com eles, ou ainda vigiando-a pela região periférica do olho. Ora,
quem viu primeiro que vá falar! Arthur era diferente, era triste e ponto. Desconfiava
daquelas pessoas que se alardeavam quando algo de ruim acontecia, porque para ela
se algo ruim acontece a reação é outra. Sempre se lembrava de sua mãe, à
época que seu cachorrinho Tobi morreu, que chorou e nunca mais falou sobre ele.
E se orgulhava das pessoas que agradeciam pelas coisas boas que aconteciam em
silêncio, ou mostrando com atitudes. Enxergar o silêncio das pessoas era um
dom, e uma maldição. Porque sabia que o silêncio dos mendigos das calçadas, do
seu colega Arthur, de sua mãe ao perder um bichinho, das pessoas que fingiam
que não a viam e dos agradecidos anônimos, eram silêncios diferentes. Preferia
que só enxergasse os silêncios bons, como o silêncio que se seguia entre ela e
Tavinho, um menino que gostava, quando cruzavam olhares. Mas numa cidade como o
Rio de Janeiro onde a confusão vigora, os silêncios às vezes a perturbavam mais
que o barulho.
(Deyvid Peres)
Lindo texto. O silêncio pode ser tanto libertador quanto sufocante.
ResponderExcluirhttp://vidasempretoebranco.blogspot.com
Obrigado, Lary!
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