O velho e o mar de memórias curtas




Sinto que a todo o momento que falo da minha vida é tudo sempre preto-e-branco e utópico. A memória faz essas peripécias com a gente. Esmaecem as cores, ameniza as divergências e emudece o ensejo. Os anos mais saudosos tornam-se dourados. Amizades, coloridas. E o resto é cinza. Isto acontece a um velho marujo como eu. Perdemos o brilho das relações singelas, seguimos os ventos favoráveis e deixamos os remos de lado por pura preguiça da mesmice. Adoramos o marasmo dos mares calmos e que não leva a lugar algum. Atracamos em qualquer porto que nos forneça segurança nos dias de tempestade, e ficamos depois que ela passa, mesmo que o cais esteja repleto da gente que nos repele, que nos tedia, que nos faz canoas quando somos veleiros. E quando decidimos partir, muitas das vezes porque a corda que nos prende já apodrece ao tempo, nos deixamos levar sem rumo, mesmo que o norte seguido não nos agrade. É mais fácil do que lutar contra as correntezas do litoral. Somos saudosos das cores que lembramos nas memórias pretas e brancas, e vivemos lá, como se já fôssemos morrer agora, antes das 30 primaveras.



(Deyvid Peres)

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