Nervosa, segurando com força ao volante, estava rija. Observava o
asfalto com o olhar vazio, e se distraia enquanto os traços longitudinais da
via se fundiam em um só. Sua cabeça confusa a fazia pensar em tantas coisas
inúteis que já não permanecia mais dentro de si. Então, a visão de uma
garotinha magricela lhe veio à tona. Aos poucos o seu coração foi
desacelerando, e já podia respirar melhor.De braços
abertos na garupa da bicicleta, ela experimentava pela primeira vez aquela
sensação de contentamento que costuma experimentar na estrada. Mas quem era
mesmo que estava guiando o camelo? Não se lembrava. Aquela lembrança era dona
da sensação do vento batendo ao seu rosto, do sol que brilhava por entre suas
pálpebras fechadas e do frio na barriga quando soltava as mãos e erguia os
braços. Era uma manhã de verão quente e as ruas tortuosas da cidade faziam o
transporte se contorcer, e seu coração palpitar. Aos ouvidos chegavam os mais
diversos sons. Ferraduras batendo contra as pedras coloniais em um trote sincronizado
e ritmado. Um sabiá. Buzinas agudas e impacientes. Vozes alegres, sonolentas,
roucas, afetuosas. Em algum momento uma gaita entoando uma bailada. Ao longe
podia ouvir um verdureiro a oferecer sua mercadoria num cântico habitual: Olha
o limão pra passar no rabo! No rabo do peixe! Risos, seus. A brisa fresca a
fazia levitar. Seu vestido rendado esvoaçava. Na direção o garoto estava
concentrado. Conseguia se lembrar do relógio de couro no braço direito e do
boné vermelho que ele usava. Experimentou tal júbilo novamente anos mais tarde.
Tocava Elvis dentro do aposento, fora se ouvia o roncar dos motores. Os rapazes
se exibiam atiçando as máquinas. Suas amigas, estridentes, incentivaram-na a
subir naquela moto. Foi então, que descobriu a paixão por movimentos. Nem o
salto alto a impediu de se sentir livre. Das tantas lembranças felizes que
conseguia se lembrar, na maioria estava leve, acelerada, voraz. Nunca a
conheceriam de fato, ela mesma custava. Mas a estrada - ah, a estrada! - essa
tratava de lembrá-la. Pronto, já podia regressar e dar-lhes a resposta. Era
hora de assumir outro caminho.
(Deyvid Peres)
Parabéns !Siga em frente!
ResponderExcluirVou seguir, valeu! =)
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