No palco, tão ingênua e ilustre,
Lúcia a viu pela primeira vez. Estava contracenando com um ator que lhe fazia o
papel de pai. Era uma peça sobre traição, decepção e redenção. Nada diferente
do que já havia lido ou visto. Porém, naquele dia, deparou-se com lágrimas
escorrendo pelo rosto. E em outros momentos disparos do coração também a
espantaram. Ficara realmente emocionada com a história daquela menina tão
ingênua, tão amável. Aquela personagem não tinha sido domada pela vida, ao qual
nos vimos congelados e adestrados, não. Ela não tinha receio de transbordar o
que queimava por dentro, e se fazia ser sentida em alto e bom tom. Não era cismada,
não a conheciam fria, não se cobrava. Vivia como quem vive por gosto. Lúcia
saiu do teatro revigorada. Que trabalho maravilhoso, que bela criação! Traçou
novos planos para a vida. Renovou-se.
Um ano depois, atravessando a
Primeiro de Março, deparou-se na esquina com a atriz que interpretou a
personagem, saindo de um táxi. Quis falar-lhe sobre sua inspiração e como ela e
sua personagem a ajudaram a mudar de vida. Mas antes que pudesse se dirigir a
sua heroína, um homem saiu do carro também. E gritando aos berros, a atriz o
alertava:
- Anda! Já estou atrasada pra
essa merda. Não faz nada direito! Como se eu já não tivesse que aturar todas
aquelas fracassadas depois no camarim. Ahrr, minha bochecha está doendo de
tanto forçar o riso. O que não fazemos pra ganhar a vida, senhor...
Lúcia recuou e sorriu como quem
descobre um segredo, daqueles que estão bem à amostra de toda a gente, mas
somente alguns têm a sorte de vê-lo. Viva a arte!
(Deyvid Peres)
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