E aos poucos ela se reconhecia no amor. Sim, o amor. Como todo
mundo, cresceu ouvindo que afeto assim brotava entre um rapaz e uma moça. Jovens
e solteiros. Era tão estranho que isso não a correspondesse. Na verdade, não se
correspondia com nada. Só não tinha a mesma empolgação que todas as meninas tinham.
Nunca houve um momento se quer em que se viu buscando o príncipe encantado. Ou
suspirando pelo trunfo da escola, ou fazendo planos para um futuro amor, ou
fazendo planos que fossem. O presente era aonde permanecia sua mente. E foi
assim, numa surpresa que só aparece para quem não se preocupa com futuro que
começou a enxergar o amor. Com o tempo descobriu que o amor existia em outras
faces, em outras histórias. A primeira face foi a de Sabrina, menina tímida e
engraçada que conheceu no colégio. A segunda foi Gustavo quem trouxe. Este
cuidou dela por quatro anos, até que o amor fizesse morada nos longos cabelos loiros
de Quitéria, a terceira face. Como o campo que se despede da primavera e
floresce em cores, viu o amor crescer em profusão. Não existia recinto para o
amor. Nem correto, nem errado. Para ela o amor era como um pássaro que alçava
voo em direção ao firmamento e pousava aonde achava mais confortável. Não
dependia dela, nem de ninguém, dizer aonde o pássaro descansaria. Cabia somente
ao viajante decidir onde se hospedar. E se acolhia nos lugares mais inusitados.
Foi numa manhã de quarta-feira, dia em que corria pela orla, que presenciou o
pouso mais desastrado de todos. Exercitava-se com os olhos fechados, e a música
alta nos ouvidos, quando algo bateu em suas pernas. Viu-se ao chão, com os
óculos escuros quebrados e um rapaz de sunga, pasmado, abatido, lacrimoso ao
seu lado. Fez um estrago, não podia ser pior. E nessa expressão de dor viu a
quarta face. Julgada, apedrejada e afrontada a vida toda, ninguém conhecia e
respeitava tanto o amor quanto ela. Sabia que o amor não se moldava, não se
coordenava, não se guiava. Enquanto para os outros era libertinagem, para ela
era respeito. Respeito por tudo que o amor pode ser.
(Deyvid Peres)
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