Os primeiros raios
de sol já surgiam por entre as nuvens espessas. Mas Poranga sabia que a bruma
da manhã continuaria até o cântico dos pássaros. Enquanto isso, um sapo coaxava ao seu lado. Ela apreciou aquele ser feio e viscoso, e reparou em sua realeza
e pachorra ao exercer seu hino. Com um desses que os grandes guerreiros venciam
sua guerra. Um deles, vermelho e azul, tinha um veneno que matava em segundos. Olhou para as nuvens novamente. Era cedo
demais para assar mandioca, muito úmido. Mas era tarde demais para observar as gotículas
de orvalho nas folhas. O melhor a fazer era esperar ali, sentada com seu cúmplice
anfíbio, até que estivesse seguro para um banho de cachoeira. Do outro lado da
colina na aldeia todos já haviam se levantado também, inclusive os curumins,
que aproveitavam para brincar de batalha junto à lama fresca. O pajé levantara antes do alvorecer para buscar uma flor que só tinha aroma à noite, era importante que
achasse. Os homens preparavam suas flechas para buscar o almoço do dia,
enquanto as mulheres se preparavam para colher os frutos do cupuaçu. Era
costumeiro que Poranga desaparecesse pela aurora, tanto que ninguém sentia sua
falta durante esse período, até mesmo depois do sol quente. Pajé sempre falava
que alma de índia livre não se continha tão fácil. Na verdade, era nítido o
carinho que ele sentia por Poranga, e todos sabiam que ele a defenderia até sua
passagem. Houve uma vez em que a pequena índia Poranga, ainda menina, derrubara
a farinha do dia toda ao chão. As mulheres mais velhas queriam que a menina
fosse repreendida, mas o pajé disse que a mandioca tinha vindo da terra, e não
era a terra que faria a mandioca deixar ser o que já era. Portanto, não havia
motivo de castigá-la. Todos comeram terra e mandioca naquele dia. O mais
estranho é que, apesar de suas travessuras, Poranga era uma das mulheres mais
queridas da aldeia. Foi ela quem passou a noite ao lado do Pajé cuidando da
velha Naná, e teve coragem de ficar com ela enquanto todos estavam com medo dos
maus espíritos que habitavam sua oca. Depois de uma febre alta, Naná melhorou, e
Poranga ganhou admiradores por toda a aldeia. Também foi Poranga que deu à luz
a Teçá, um menino esperto para a caçada, e o mais valente de sua idade. Num
dado momento o sapo cessou seu concerto, e Poranga soube que seu dia principiaria.
O sol já atingia o chão da floresta em alguns limites, e os pássaros assoviam
alegres lá nas copas. Já era possível
ouvir o barulho do rio passar mais ordeiro. Era o momento de um bom banho,
antes de descer à aldeia.
(Deyvid Peres)
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