Era de se esperar que de tempos
em tempos o caminho se perdesse. Sempre fora uma dessas aberrações da natureza,
indefinível e incorrigível. Era certo que seguir por uma única trilha por muito
tempo não a satisfaria. Não, não, isso não era pra ela. Quem a visse empenhada
em alguma coisa hoje poderia facilmente vê-la criticar tal coisa, com seus olhos
de fogo e fúria, no ano seguinte. Volátil como o álcool. Inconstante como o
mercado financeiro, diria seu último namorado.
A vida era uma jornada que a cada
fase exigia dela uma nova adaptação, e adaptações exigiam mudanças. Como as
pessoas continuavam as mesmas quando essas fases chegavam afinal? A vida criada
pela humanidade exigia constância, previsibilidade. Formou-se em administração,
então siga a profissão. Deu entrada no pagamento de uma casa, vá até o fim.
Gosta de meninos, continue assim. Está magra, não engorde. Gostava de tomates,
por que raios não come isso agora? Queria casar, se não casou ainda é porque
ainda quer e “ficou pra titia”. Não achava cabelos coloridos bonitos na época
da faculdade, pintou o cabelo de roxo agora porque era inveja. Só bebia
destilados, agora deve estar bebendo cerveja pra agradar o ficante. Ninguém
pode mudar.
Talvez fosse por isso mesmo que
ela incomodava tanto “Tinha tanto futuro
pela frente, estagiava num escritório grande, agora está aí correndo atrás de
hippies e maconheiros”, “Sabe a última da Letícia? Parou de comer carne, aquela
garota adora inventar”. E como tudo na vida dela, às vezes ela se importava
com tudo isso, ficava triste e ia visitar o mar. Outras vezes nada disso a
atingia, era firme, alegrava-se com suas escolhas e ia visitar o mar. Outras vezes
se enchia da praia e de todo aquele sol, de toda aquela gente vaidosa e se
refugiava em seu quarto. “Ela se trancou
no quarto pelo quinto dia seguido, não sei mais o que fazer, acho que vou levá-la
ao psicólogo”. Deitava-se em sua cama, lia um bom livro enquanto comida gomos
de chocolate e sentia-se completa. “Ela
sai do quarto com aquela cara de felicidade, acho que ela está se drogando”. Seu
coração, por vezes procurava alguém, amava incondicionalmente, depois enjoava. “Mas como ela terminou com ele? Há pouco
tempo os vi fazendo planos de ter filhos juntos”.
As pessoas tinham o hábito de
achar que ela não terminava nada, mas pra ela era justamente ao contrário, dava
às coisas o exato tempo delas em sua vida. Não prolongava sofrimentos,
decisões, e nem se autoafirmava por um mero instante da sua vida. Não se acomodava.
Apenas se entregava por completo, e quando chegava o momento de acabar, seguia
em frente. Isso a mantinha viva. Enquanto os outros a viam desperdiçar a vida, ela
vivia com tudo que tinha pra viver.
(Deyvid Peres)
Pessoa fascinante, essa descrita no texto. E o nome combina: Letícia, que significa "alegria". Gostei muito. :)
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